Produtividade e sustentabilidade devem caminhar juntos
Redação do DIARIODEPERNAMBUCO.COM.BR
26/07/2011 20h08 Meio Ambiente
Mestre em Gestão e Políticas Ambientais pelo Programa de pós-graduação em Meio Ambiente da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), cientista jurídico com foco em legislação e educação ambiental, escritor e articulador de redes socioculturais, o educador ambiental Thomas Enlazador, 35, faz um alerta para as empresas e os governos brasileiros: é preciso ter cuidado para não exercerem apenas o chamado “branqueamento ecológico”. O termo define um procedimento de marketing cujo objetivo é dar à opinião pública uma imagem ecologicamente responsável dos seus serviços ou produtos. S
egundo Thomas, já existem soluções para sistemas eficientes de Gestão Ambiental e Tecnológica que aliam produtividade à sustentabilidade. Nesta entrevista, o ambientalista detalha como andam as relações entre a humanidade e a natureza e o que ainda pode ser feito.
Quais as principais mudanças que ocorreram no mundo após a publicação do relatório Nosso Futuro Comum, das Nações Unidas (ONU), trazendo à tona o tema desenvolvimento sustentável?
Principalmente, a aceleração do modelo desenvolvimentista e a integração das fronteiras econômicas externalizadoras dos custos ambientais. No relatório Brundtlan, documento intitulado Nosso Futuro Comum, de 1987, o desenvolvimento sustentável é concebido como o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades. O que isso, à luz daquela época, quis dizer? Cinco anos depois, em 1992, no Rio de Janeiro, representantes de quase todos os países do mundo reuniram-se para decidir que medidas tomariam para conseguir diminuir a degradação ambiental e garantir a existência de outras gerações. A intenção, nesse encontro, era reapresentar o que foi tirado em 1987, ou seja, o conceito de desenvolvimento sustentável. Os conceitos, tratados internacionais, legislações e a própria comunidade global evoluíram muito nos últimos anos. Os marcos mais importantes da Eco92, que ainda pelejam para serem implementados são os seguintes documentos oficiais: Carta da Terra; Convenção da Biodiversidade, Convenção da Desertificação e Tratado Internacional sobre Mudanças Climáticas (hoje o Protocolo de Quioto). Foi tirada também uma importante ferramenta para a sociedade civil, a Agenda 21. Vinte anos depois, estamos às vésperas da Rio 20, também no Rio de Janeiro. Dois temas serão a base das discussões no ano que vem: economia verde (nova roupagem para o desenvolvimento sustentável) e governança global. Precisamos marcar presença e encarar esse processo como um marco para uma nova co-criação de conceitos e tratados. Será a maior reunião que o planeta já presenciou, mostrando a força da questão ambiental. Pernambuco, nesse sentido está saindo na dianteira, criando um comitê para a Rio 20, que será lançado no próximo dia 2, na livraria Cultura, no Recife. Precisamos de todos os setores ativos, propondo, construindo e questionando essas mudanças.
Como as empresas brasileiras, em especial as pernambucanas, têm colaborado com o desenvolvimento sustentável nos últimos anos?
Constantemente sou consultado para indicar empresas que sirvam de modelo em Pernambuco. Fico perplexo em constatar que as ações ainda são pífias e fragmentadas. Temos empresas que reciclam resíduos de construção, que tratam dos seus afluentes, que recuperam áreas degradadas por elas mesmas, mas se é isso o que chamamos de des(envolvimento) sustentável, então temos muitas iniciativas. Como ambientalista e cientista político ambiental, não corroboro mais com esse modelo de desenvolvimento. A maior parte das ações é branqueamento ecológico (greenwashing, em inglês), que é um termo utilizado para designar um procedimento de marketing utilizado por uma organização com o objetivo de dar à opinião pública uma imagem ecologicamente responsável dos seus serviços ou produtos, ou mesmo da própria organização. Acredito na cultura da sustentabilidade, onde o custo da produção e consumo é internalizado e todo o sistema de produção é alicerçado no compromisso de cidadãos e cidadãs (que comandam empresas) com ações efetivas na melhoria da qualidade de vida individual e planetária. O horizonte é ainda utópico, mas é um caminho que deveria ser trilhado por todas as empresas.
Faz sentido afirmar que aliar produção e sustentabilidade ambiental é tarefa cara para o setor produtivo? Por quê?
Não. Preço é diferente de valor. O sistema social de produção capitalista é por essência insustentável. É preciso mudar a forma de produção e consumo. Investir em tecnologias ambientais é uma ação concreta que rende frutos no médio prazo. O imediatismo pelo lucro vem dilapidando nosso patrimônio natural, e hoje, em pleno século XXI, já existem inúmeras soluções para sistemas eficientes de Gestão Ambiental e Tecnológica que aliam produtividade à sustentabilidade. Um setor produtivo não deveria encarar a sustentabilidade como perfumaria. Em muitos países, para uma empresa se instalar ela precisa cumprir exigências rigorosas para obter licenciamentos prévios e se adequar às normas ambientais. No Brasil, as empresas se instalam, poluem, degradam, são multadas (em alguns casos), recorrem juridicamente e protelam sua obrigação de desenvolver um sistema de produção limpo e sustentável. Empresas obsoletas (que não se adequam à legislação ambiental) deveriam ser severamente punidas, e o próprio Estado deveria fazer essa lição de casa. Isso não tem acontecido. Empresas se instalam justamente em municípios e estados que flexibilizam essas normas. É a antítese da sustentabilidade.
Quais as alternativas mais eficazes para se conquistar novos adeptos do setor produtivo à questão da sustentabilidade?
Ações que dêem visibilidade, transparência, isenções de impostos em iniciativas sustentáveis e certificações. As empresas não são vilãs. Não é uma questão do bem contra o mal. Elas existem devido a uma demanda pelo consumo dos seus bens e serviços. O setor produtivo só irá despertar quando o consumidor deixar de ser um mero espectador e passar a atuar como um cidadão político que, no ato da compra, elege uma empresa e os valores que ela carrega. Não os valores vendidos pelas agências de marketing, mas os valores reais no papel social, ambiental e cultural que ela carrega. As empresas precisam despertar para novas tecnologias, novos produtos, adotar uma linha de sustentabilidade nos seus produtos e serviços. Existe mercado para isso. É crescente, crítico e lucrativo. Isso mostra a elasticidade do capitalismo, que consegue se apropriar de conceitos que lhe são opostos e os transforma em mais um motivo para alimentá-lo, como é o caso de muitos produtos ditos ecológicos. Quem não se adequar, ficará para trás.
É correto afirmar que, guardando as devidas proporções, o cidadão comum e o setor produtivo são igualmente responsáveis pela preservação dos recursos naturais?
No Brasil, a situação causada pela política desenvolvimentista é alarmante. Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), anunciados em março de 2010, o Brasil reduziu a área líquida desmatada em 20 anos, mas continua líder no ranking, seguido por Austrália e Indonésia. Aproximadamente quatro milhões de hectares são perdidos anualmente na região da América do Sul. Há três fatores decisivos para o desflorestamento no Brasil, todos intrinsecamente ligados a um modo de consumo insustentável: extração de madeira, pecuária extensiva e o cultivo da soja. Quem estimula isso? O cidadão comum e o setor produtivo? Sim e não. A demanda no padrão de consumo cresce (pelo consumidor) e a produção (setor produtivo) é aquecida por esse crescimento. Consumidores consomem-dores? Tens claro o que estás consumindo? Essa indagação é relevante, ampla e não se reduz à simplicidade da composição de um produto: se nele está contido determinado ingrediente ativo, se é transgênico, orgânico ou tem algum componente misterioso. Ao consumir um produto, o indivíduo está consumindo e financiando também valores que foram vendidos pela empresa que o fabrica. As principais transnacionais do gênero alimentício dominam o cenário global e se especializam em novas tecnologias para seduzir o consumidor e ampliar os mercados, em destaque o mercado dos países emergentes. Porém, há práticas dessas empresas que nem sempre são conhecidas por quem as consome. Somos, sim, responsáveis, mas não podemos deixar de apontar o papel fiscalizador do Estado - que não vem exercendo - para a mudança deste quadro.
Que responsabilidades cabem a cada um - empresas, governo e sociedade civil - e o que ainda precisa ser feito?
Acredito e reforço a mudança nos hábitos de consumo de todos os setores. Tudo passa por escolhas. O consumo é um ato de escolha e essa escolha tem reflexos ambientais e sociais, e é também através dele que se definem as alternativas para um futuro sustentável. O cidadão consumidor é um ator político que utiliza suas escolhas para intervir conscientemente na realidade social e ambiental que o cerca. Os governos e empresas são compostos por indivíduos. Precisamos confrontar nossos pares e questionar suas escolhas, apontando alternativas coerentes para a construção de uma sociedade ecológica. Não há decisões sobre compras que não impliquem em uma decisão moral, e não há, de fato, nenhuma comercialização que não tenha, em última instância, uma natureza moral. Muito ainda precisa ser feito. Adotar os sete Rs já é um bom começo: recusar, reduzir, reutilizar, reciclar, repensar, resignificar e radicalizar, dar sentido a algo que vem da raiz.
Quais as principais dificuldades para se chegar à conscientização da sociedade a respeito de suas obrigações para com o meio ambiente?
Não existem dificuldades principais. O sistema joga contra a conscientização. Em 2009, finalizei uma ampla pesquisa de mestrado sobre consumidores no Recife e pude notar que, mesmo aqueles que supostamente eram mais adeptos a práticas sustentáveis, ainda deixavam muito a desejar em ações mínimas no âmbito da sustentabilidade. Vivemos em Pernambuco uma doença sociocultural que intitulei de Bregalização do Meio Ambiente. As relações se tornaram superficiais, banalizou-se o sexo, a sujeira nas ruas é constante, a música chula que remete à vulgaridade do ser humano, o descartável, o imediato, o mais barato e, por conseqüência, o total descaso com o entorno em que vivemos. É a troca de chip que precisamos fazer. O chip da humanização do ser humano em harmonia com o meio ambiente. Nossas práticas deveriam ser sustentáveis. Práticas que impregnam o cotidiano, que fazem com que as ações diárias possam, mesmo que gradativamente, causar mudanças efetivas. Ações simples que educam, mobilizam e trazem a responsabilidade para si. Uma mudança de hábitos na hora de comprar um alimento, exigindo que não esteja sujo e contaminado com veneno, agrotóxico; no ato de ir ao supermercado e optar por empresas sem passivos ambientais e sociais; no boicote à carne bovina pelas graves consequências do desmatamento, do aquecimento global e pela forma cruel como são tratados e abatidos esses animais; na utilização de embalagens retornáveis, na sacola e na caneca que substituem a cultura do descartável, enfim, caminha-se por um universo repleto de possibilidades para a entrada em um novo momento planetário, onde o consumo, integrado com a sustentabilidade, solidariedade e paz, pode fazer uma diferença enorme. Publiquei o Almanaque de Práticas Sustentáveis com mais de 200 práticas, que pode ser baixado livremente pela Internet no endereço http://www.iteia.org.br/textos/almanaque-de-praticas-sustentaveis.
Quais os principais acertos dos governos na busca pela garantia da sustentabilidade?
No âmbito federal, tínhamos mais comprometimento quando a ministra Marina Silva estava com um pouco de força política, tentando brecar o trator desenvolvimentista que em 2013 faz 10 anos que depaupera o Brasil. Conseguimos frear substancialmente o desmatamento na Amazônia, realizamos uma capilarização de Agendas 21 pelo país, criamos as Conferências Nacionais de Educação Ambiental, a bancada ambientalista no Congresso era mais forte e o Ibama ainda não tinha sido rachado. Um ponto positivo foi a força da política externa iniciada no Governo Lula, que deixou o Brasil em pé de igualdade com as grandes potências econômicas, podendo influenciar em tratados internacionais como o Protocolo de Quioto, que findará sem grandes avanços em 2012.
Como anda o Brasil nas discussões sobre o tema sustentabilidade, comparando-se com as discussões em países da Europa e dos Estados Unidos?
Em matéria de tecnologias ambientais limpas, estamos engatinhando. É complexo comparar, pois temos biomas distintos e um histórico colonizatório que explica um pouco onde estamos. O Brasil, durante a Conferência de Estocolmo (1972), passou vergonha convidando as indústrias poluentes para se instalarem no país. Não estamos mais nesse patamar. Vamos sediar em junho de 2012 a RIO 20, a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável e Justiça Social, além da Cúpula dos Povos, organizado pela sociedade civil. A previsão é que mais de 300 mil pessoas estejam no Rio de Janeiro para discutir o futuro do planeta. Que exemplo o Brasil está dando aprovando a instalação de novas termelétricas com base em combustíveis fósseis, inundando áreas intocadas e comunidades indígenas amazônicas com a hidrelétrica de Belo Monte (PA), aprovando em ampla maioria o novo Código Florestal que flexibiliza a legislação, beneficiando monoculturas e anistiando grandes latifundiários? O Governo Dilma Rousseff é desenvolvimentista, está atrasado neste sentido. O Brasil precisa se desenvolver, mas não com base em políticas que sobrepujam o meio ambiente em prol do fator econômico. Nossa maior riqueza é a biodiversidade, os recursos hídricos abundantes, flora e fauna. Nossas políticas zelam por isso? São 71 hidrelétricas previstas para os próximos 20 anos. Quantos parques solares e eólicos temos pautado? Construir hidrelétricas envolve muitos interesses econômicos de grandes empreiteiras, que dão a tônica nesse tipo de decisão. A energia limpa é um paradigma a ser implementado no Brasil. A sociedade civil se organiza precariamente e tem tido pouca força para desmantelar a estratégia ruralista. A academia precisa sair do muro e os governos tidos como progressistas precisam encarar a sustentabilidade no âmbito ambiental, social e econômico.
E como andam essas discussões em Pernambuco?
Tem avançado. O Governo do Estado acaba de criar a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), capitaneada por Sérgio Xavier, uma pessoa séria e comprometida. Pernambuco tem um passivo ambiental enorme e precisa rever urgente seu modelo de crescimento. Praticamente não temos aterros sanitários. Os lixões continuam contaminando o solo e Recife está exportando seu lixo para cidades vizinhas. A coleta seletiva é precária e as políticas de incentivo às cooperativas de catadores e zonas de triagem são tímidas. Sem investir em educação ambiental crítica e emancipatória, não sairemos do lugar. Educação é a base de tudo e o fortalecimento da Política Nacional de Educação Ambiental deve ser prioridade em todas as esferas governamentais. Muito tem se falado da Copa Verde. Até agora não vi nenhum projeto de sustentabilidade para a Cidade da Copa. Os impactos com o desflorestamento da Mata Atlântica precisam ser compensados e deveria ser pensado em um modelo de cidade criativa e sustentável para a Copa. Suape poderia ser um exemplo de porto e adotar uma gestão socioambiental integrada. Essas iniciativas deveriam ser incentivadas com adoção de impostos verdes e a adoção de ISOs (a ISO aprova normas internacionais em todos os campos técnicos), como o 14000 (adequação da gestão ambiental) e o recém criado 26000, que discute a responsabilidade socioambiental empresarial. Na prática, não vemos isso. Só promessas vagas. Tem-se ventilado uma termonuclear para o estado. Esse seria nosso grande atestado de burrice crônica. Pernambuco é um dos estados com maior incidência solar do planeta. Tem fundamento esse tipo de interesse pairar por aqui? Precisamos escandalosamente bradar contra os caciques que nos empurram soluções unilaterais como essa. O governador Eduardo Campos sancionou importantes leis e políticas públicas ambientais. A Lei 14.090/2010 (que Institui a Política Estadual de Enfrentamento às Mudanças Climáticas de Pernambuco) e a Lei 14.091/2010 (que Institui a Política Estadual de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca). Como enfrentaremos o avanço do nível do mar e as consequências já visíveis do aquecimento e mudanças climáticas? O caos que se instala na Região Metropolitana demonstra o quão estamos despreparados. Se as leis aprovadas forem aplicadas teremos avanços significativos para o estado e, quiçá, revertemos o quadro. Um ponto que merece destaque em Pernambuco é o crescente incentivo aos produtos orgânicos, agroecológicos. Comprar produtos sem agrotóxicos no estado não é artigo de luxo. Temos cerca de 20 feiras no Recife e mais de 200 pontos de comercialização no estado com preços, muitas vezes, mais baratos do que os produtos com agrotóxicos vendidos nos grandes hipermercados.