quinta-feira, 4 de outubro de 2012

De pinhões e Araucárias...tanta riqueza na natuREZA


PINHÃO, FRUTO SOBERANO
Nos campos do planalto Sul, ela é soberana. Nada chama mais a atenção do que a araucária com sua altura de até 50 metros e grande copa em forma de taça.
Árvore de longa vida e muitos nomes, a Araucaria angustifolia fornece madeira de excelente qualidade, mas também se tornou famosa pelo pinhão, semente produzida com fartura a cada dois anos. Esse mesmo pinhão que garante a alimentação de muitas espécies animais, principalmente roedores e pássaros, se tornou item obrigatório no cardápio de outono e inverno em milhares de residências do Sul.
O apetite humano por esse fruto pode, inclusive, funcionar como o principal aval para a perpetuação da araucária, que, derrubada sem piedade para a extração de madeira, já esteve ameaçada de extinção. Caso lamentável é o de São Carlos do Pinhal, interior do Estado de São Paulo… Não que, de repente, as pessoas tenham sido contaminadas por um surto preservacionista. A motivação é puramente econômica. “Para o serrano, o pinheiro hoje está valendo mais de pé, produzindo pinhas, do que cortado, vendido como madeira”, explica o fazendeiro catarinense Laélio Bianchini, em cuja propriedade, em Lages, existem 15 mil araucárias. “Muitas famílias tiram o sustento da venda do pinhão e até grandes proprietários conseguem bom capital de giro com seu comércio, já que se trata de iguaria cada vez mais procurada aqui no Estado”, acrescenta.
No início de junho, a Fundação de Meio Ambiente de Santa Catarina (Fatma) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) baixaram portaria autorizando o manejo florestal no Estado, incluindo espécies nativas, entre elas a araucária, que em terras catarinenses tinha o corte proibido desde 1992. Mas a procura pela pinha, aliada às dificuldades para colocar madeiras de lei no mercado internacional e sua baixa cotação no mercado nacional, pode tornar o plano de manejo inútil para o pinheiro brasileiro. “Ele já cobriu grande parte do território catarinense e por isso sofreu a maior pressão de corte”, revela Márcia Batista, técnica em controle ambiental da Fatma. Do final da 2ª Guerra Mundial até a década de 60, a prosperidade dos fazendeiros do Sul e centro do Planalto Catarinense era medida em pinheiros. Durante o Ciclo do Pinheiro, como ficou conhecida esta época em Santa Catarina, Lages, no Planalto Sul, tinha tanta araucária, que se tornou a cidade mais rica do Estado. Até o pagamento dos funcionários públicos só era possível quando o município remetia sua parte na arrecadação estadual para a capital. No Meio-Oeste, onde os pinheirais também eram abundantes, a extração igualmente movimentou e gerou fortunas. O mapa de cobertura vegetal elaborado recentemente pela Fatma mostra uma realidade muito diferente: a floresta ombrófila (úmida) mista, onde está incluída a espécie, cobre apenas 13,8% dos 95 mil quilômetros quadrados do território catarinense. Esgotada sua exploração, as áreas em que as araucárias dominavam estão cobertas por espécies exóticas, principalmente pelos Pinus elliottii e Pinus taeda, para a produção de celulose. Em outras, sequer houve reposição da cobertura original, predominando os campos limpos. Mas quem manteve áreas de preservação está lucrando com a venda do pinhão.
Colhido em três épocas do ano, o consumo desta semente no Planalto Catarinense é tão tradicional que gerou inclusive um dos principais eventos culturais do Estado – a Festa do Pinhão, em Lages, que numa semana, no início de junho último, teve 315 mil visitantes e consumo ou comercialização de 25 toneladas do produto. “Descobrimos e estimulamos um grande mercado consumidor de pinhão, com muitas variações gastronômicas”, afirma Flávio Agustini, diretor da Serratur, órgão de turismo da prefeitura de Lages. Nas rodovias da região, centenas de barraquinhas vendem o produto, cru ou cozido, entre fevereiro e agosto. “É a época que mais reforço meu sustento, porque o pessoal quer comprar pinhão e acaba levando também feijão, queijo e outros produtos que vendo”, diz Eleonora Santos, que tem uma barraca de lona na BR 282, próximo à entrada de Lages. Os frutos que vende vêm de seus 140 hectares, “com uns 500 pinheiros”, além do que é colhido nas propriedades vizinhas. Apesar de sua importância regional como fonte de renda, o pinhão não mereceu estudos de impacto econômico ou social e grande parte de sua comercialização ainda é clandestina, sem emissão de notas fiscais e transportada à noite, evitando as fiscalizações”.
DE GALHO EM GALHO
“Há 20 anos, de março a julho, Adelmo Miguel, o Juruna, tem uma obrigação : escalar árvores entre 10 e 35 metros de altura, pisar em galhos de resistência duvidosa e, com longas varas, derrubar as frutas das pontas desses galhos. Natural de Urupema, SC, ele colhe pinhas desde os 6 anos, habilidade herdada do pai, que chegou a ficar dois anos em cadeira de rodas, recuperando-se de uma queda do topo de uma araucária de 20 metros. “Um pinheiro bom rende 300 pinhas, que dão cerca de cinco sacas de 50 quilos de pinhão”, explica. Ele recolhe as pinhas jogadas em torno da árvore, carrega as broacas (bolsas de couro penduradas numa mula) e segue atrás de outras araucárias apinhadas. Juruna testemunhou muitas vezes o apetite dos animais pelo pinhão. “O ouriço, por exemplo, sobe até a grinfa (copa) da árvores e rói a pinha, sem derrubá-la”, conta. “Há 30 anos, os bandos de papagaios que migravam para o planalto na época de pinhas chegavam a escurecer o céu”, lembra o fazendeiro Bianchini. A lista de animais, entretanto, é muito grande, começando com o veado branco, passando pelas capivaras, pacas, macacos, preás, esquilos, perdizes e cutias, além de papagaios e gralhas.
E são as cutias, e não a gralha-azul, ao contrário do que diz o folclore, as principais responsáveis pela disseminação de pinheiros. “A cutia é grande apreciadora de pinhão e comumente enterra-o, para comê-lo depois. Dessa prática nascem milhares de novas araucárias”, explica Paulo Ernani Carvalho, engenheiro florestal da Embrapa de Colombo, PR. Os macacos justificam, inclusive, o nome das últimas pinhas que amadurecem, entre o fim de julho e meados de agosto. Como não debulham e nem caem das árvores, só estes animais conseguem chegar até elas. Por isso, seu fruto é chamado pinhão de macaco. Os animais domésticos também foram sustentados com a semente de pinha. “Antes das granjas de suínos, os porcos viviam soltos para engordar à base do pinhão”, lembra Bianchini. Também os bovinos alimentam-se de pinhões caídos sob os pinheiros”.
A PIONEIRA SOBREVIVEU
“Presente no planeta desde a última glaciação – que começou há mais de um milhão e quinhentos mil anos, a araucária, segundo o engenheiro florestal Paulo Carvalho, da Embrapa de Colombo, PR, já ocupou área equivalente a 200 mil quilômetros quadrados no Brasil, predominando nos territórios do Paraná (80.000 km²), Santa Catarina (62.000 km²) e Rio Grande do Sul (50.000 km²), com manchas esparsas em Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, que juntas, não ultrapassam 4% da área originalmente ocupada pela Araucaria angustifolia no país. É uma espécie resistente, tolerando incêndios rasos, devido à casca grossa, que faz papel de isolante térmico. A capacidade de germinação é alta e chega a 90% em pinhões recém-colhidos. Espécie pioneira, dissemina-se facilmente em campo aberto.
Apesar do desmatamento, o que motivou a proibição do corte em Santa Catarina, a araucária não corre mais o risco de extinção. “O corte persistia clandestino e sem garantias de recomposição da floresta. Com o plantio de manejo sustentável, garante-se a biodiversidade e a renda das propriedades”, resume o superintendente da Fundação de Meio Ambiente de Santa Catarina, Vladimir Ortiz.
O corte, entretanto, não é estimulante. Apesar da vocação para a fabricação de móveis, o preço pago pelas serrarias não justifica a derrubada. “No mato, não vai além de 50 reais pela dúzia de tábuas, ou 100 reais entregues nas serrarias”, compara o fazendeiro Laélio Bianchini. Já o pinhão, no atacado, custa 1 real o quilo e, uma só árvore produz, em média, 250 quilos. “Além disso”, reforça Bianchini, “a madeira é negociada uma só vez, enquanto que com o pinhão a renda perpetua-se”.
O plano de manejo liberado em Santa Catarina, que também inclui imbuia, palmito e canela, é similar ao do Paraná, onde o corte nunca foi proibido. Pela portaria, é liberada a derrubada de até 40% das árvores com mais de 40 centímetros de diâmetro. “Muitos fazendeiros arrancavam os exemplares ainda pequenos, pois sabiam que não poderiam cortá-los quando crescidos e preferiam deixar o campo limpo”, explica André Boclin, engenheiro florestal do Ibama catarinense. “O manejo é necessário, pois a própria natureza equilibra o número de indivíduos por espécie. No caso da araucária, a variação vai de 5 a 25 exemplares por hectare”, observa Paulo Ernani Carvalho”.

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