sexta-feira, 6 de maio de 2011

Vegetarianismo na Educação Escolar





Vou adorar quando chegarmos neste momento!!!

UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO
PED - EDUCAÇÃO AMBIENTAL
VEGETARIANISMO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR:
NOVA DIRETRIZ PARA TEMPOS DE PAZ
WILLIAMARY PORTUGAL
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
2010
Vegetarianismo na educação escolar: nova diretriz para tempo de paz
Williamary Portugal
RESUMO
Este artigo é uma reflexão sobre a introdução da alimentação vegetariana na educação escolar de forma interdisciplinar e contextualizada como mediadora na formação de agentes multiplicadores de um processo de transformação do saber diante de uma re-visão das práticas pedagógicas atuais, tendo em vista um pensamento integral e contextualizado da realidade. A partir de idéias já discutidas por alguns teóricos como Fritjof Capra, Enrique Leff, Edgard Morin, Peter Singer, Rudolf Steiner, dentre outros, por onde se entrelaçam e se complementam as teorias do pensamento sistêmico, da complexidade, da racionalidade ambiental, da ética e da antroposofia, esse trabalho questiona o uso de animais na alimentação analisando suas causas e conseqüências para o meio ambiente e para a vida como um todo de acordo com os aspectos ético, espiritual, psicológico, filosófico, social, econômico e ambiental. E por meio da educação ambiental, fundamentada com obras de Isabel Cristina de Moura Carvalho, Genebaldo Freire Dias, dentre outros expõe sobre a experiência positiva a ser proporcionada pela alimentação vegetariana como facilitadora na semeadura dos importantes valores e de novas paisagens no ambiente escolar.
Palavras-chave: vegetarianismo, educação ambiental, cultura de paz.
1 INTRODUÇÃO
Já é tempo de encontrarmos novos caminhos
que nos levem ao verdadeiro desenvolvimento humano.
Novos caminhos para alimentar a população,
para alimentar a alma. E para criar riquezas, de modo
que o desenvolvimento científico e tecnológico continue,
mas, sustentavelmente. De modo que se sustente o respeito,
a responsabilidade, o amor a vida, o amor a si mesmo.
Já é tempo de trocar as nossas lentes e de ver novas paisagens.
Utopia – Williamary Portugal
Um lamentável preconceito, advindo de uma estreita visão que acredita que a evolução “é uma escada única, com os seres humanos no topo” (GOUD apud SCHÖPKE, 2005, p. 28), ainda prevalece e auxilia para a promoção de atrocidades constantemente cometidas pela nossa espécie, contra si mesma e contra os demais seres vivos.
De acordo com Shöpke (2005, p. 28):
O especismo – que na verdade é uma extensão de nossos preconceitos (o racismo, o sexismo etc) para o resto da Natureza – nos leva a outra questão: se existirem no Universo seres mais inteligentes que o homem, isso lhes dará um direito “natural” de nos aprisionar, escravizar e matar, conforme seus interesses?
Ainda segundo a autora, não se trata apenas de uma questão de “direito”, mas da tirania e do descaso com a vida de um modo geral, que desencadeia de um pensamento unilateral, fragmentado, que nega o que está organicamente integrado, articulado e que gera um processo de sinergia negativa, um círculo vicioso de degradação da vida que o conhecimento não compreende nem contém. Pois,
a crise ambiental é, sobretudo, um problema de conhecimento, que leva a repensar o mundo complexo, a entender suas vias de complexização (a diferença e o entrelaçamento entre complexização do ser e pensamento), para, a partir dali, abrir novas vias do saber no sentido da reconstrução e da reapropriação do mundo (LEFF, 2004, p. 69)
por sujeitos críticos, éticos e com atitudes de respeito com a vida, junto a um processo de sensibilização ambiental e de ressignificação da natureza por meio da construção de novos valores, saberes e paradigmas culturais que questionam a postura histórica onipotente e controladora do ser humano.
Daí a urgência de princípios educacionais capazes de auxiliarem a uma reflexão mais profunda diante de nossas ações sobre nós mesmos e sobre todos os outros seres, além de conduzirem a uma transformação e construção dos novos conhecimentos com complexidade, que se
gesta por meio da transformação de um conjunto de paradigmas do conhecimento e de formação ideológica, a partir de uma problemática social que os questiona e os ultrapassa. (id, 2002, p. 164)
Um dos paradigmas a ser questionado, repensado e transformado é o do uso de animais como refeição, que envolve reflexões sobre os aspectos ético, espiritual, psicológico, filosófico, social, econômico e ambiental, proporcionadas por esta pesquisa.
Ao refletirmos sobre a ética do uso de carne animal para a alimentação humana nas sociedades industrializadas, estamos examinando uma situação na qual um interesse humano relativamente menor deve ser confrontado com as vidas e o bem-estar dos animais envolvidos. O princípio da igual consideração de interesses não permite que os interesses maiores sejam sacrificados em função dos interesses menores. (SINGER, 2002, p. 73)
Portanto, para estimular uma nova organização cultural com a emergência de compreender a vida em toda a sua plenitude por meio de valores inerentes a um sujeito capaz de ler o ambiente, interpretar as relações, os conflitos e os problemas aí presentes para transformá-los, nada melhor que a própria educação/educação ambiental, neste caso, na instituição escolar, de modo interdisciplinar e contextualizado para a mediação e multiplicação desse processo de transformação do conhecimento e construção de um mundo de paz.
Assim surgiu a ideia dessa pesquisa, com a finalidade de refletir sobre uma nova política na educação, conduzida por uma necessidade pessoal com o intuito de reunir as fundamentações sobre uma postura ética para com a vida a qual tenho tido há mais de 10 anos e que tem sido um dos temas que envolvem meus estudos e pesquisas: o vegetarianismo.
Mesmo acreditando que o processo educativo não se inicia e nem se finaliza na escola, escolhi refletir sobre alguns aspectos que envolvem esse tema na educação escolar vendo-a como uma fonte multiplicadora dessa nova proposta de “alimentação” e consequentemente do que vem atrelado a ela por meio de uma re-visão das práticas pedagógicas atuais, tendo em vista um pensamento integral e contextualizado da realidade, já que o conceito de alimentação está intrinsecamente relacionado à nutrição: nutrição de valores, de novos conceitos e sentidos.
Essa pesquisa, de forma bibliográfica, levanta em um primeiro momento as possíveis causas da falta de compreensão, de valores, de ética e de outros aspectos essenciais para uma cultura de paz, caracterizando o meio degradado de modo geral e especificamente diante da escolha pela alimentação de animais ou produtos fabricados a partir de seus organismos e por meio da educação ambiental, em um segundo momento, busca a compreensão sobre as
conseqüências do alimentar-se/nutrir-se de uma outra forma, pois, “a forma como nos alimentamos hoje faz o animal sofrer, provoca uma epidemia de obesidade no mundo e é causa de uma série de doenças” (SINGER, 2007), além da grande contribuição com a violência em seu mais amplo sentido que desencadeia na violação do equilíbrio das forças vitais por meio do enfraquecimento dos valores e da ética e consequentemente em um profundo impacto no planeta, no meio ambiente, na vida que desencadeia em um enorme desequilíbrio, afetando destrutivamente a qualidade de vida.
Num primeiro momento, pequenas infrações isoladas parecem não ter importância. Mas, ao longo do tempo, a moral da comunidade é afetada em todas as suas esferas. Chamo a isso de círculo ético. Uma ação interfere na outra, e os valores morais perdem força, vão se diluindo. Para uma sociedade ser justa, o círculo ético é essencial. (ibid)
Por isso “o problema da compreensão tornou-se crucial para os humanos. E por este motivo, deve ser uma das finalidades da educação do futuro”. (MORIN, 2004, p. 93)
A compreensão é a um só tempo meio e fim da comunicação humana. Entretanto, a educação para a compreensão está ausente no ensino. O planeta necessita, em todos os sentidos, de compreensão mútua. Considerando a importância da educação para a compreensão, em todos os níveis educativos e em todas as idades, o desenvolvimento da compreensão pede a reforma das mentalidades. Esta deve ser a obra para a educação do futuro.
A compreensão mútua entre os seres humanos quer próximos, quer estranhos é daqui para frente vital para que as relações humanas saiam de seu estado de incompreensão.
Daí decorre a necessidade de estudar a incompreensão a partir de suas raízes, suas modalidades e seus efeitos. Este estudo é tanto mais necessário porque enfocaria não os sintomas, mas as causas do racismo, da xenofobia, do desprezo. Constituiria, ao mesmo tempo, uma das bases mais seguras da educação para a paz, à qual estamos ligados por essência e vocação. (ibid, p. 16-17)
Contudo, esse trabalho traz à tona, os pensamentos que permeiam e que fundamentam os benefícios do vegetarianismo inserido na educação escolar de modo interdisciplinar e contextualizado, para a reversão desse quadro, como os princípios da complexidade, do pensamento crítico e sistêmico presentes nas obras de autores como Fritjof Capra, Edgar Morin, Enrique Leff, Aloísio Ruscheinky, dentre outros, o da racionalidade ambiental mais propriamente
abordado nas obras de Enrique Leff, questões sobre a ética, alimentação e a globalização que recheiam a obra do filósofo Peter Singer, além de reflexões sobre educação ambiental encontradas nas obras de Isabel Cristina de Moura Carvalho, Genebaldo Freire Dias, dentre outros e sobre a antroposofia de Rudolf Steiner para em conjunto auxiliar na formação de novas paisagens no ambiente escolar. Tudo isso para expor sobre a experiência positiva a ser proporcionada pela alimentação vegetariana como facilitadora na semeadura dos importantes valores que refletem sobre os aspectos ético, espiritual, psicológico, filosófico, social, econômico e ambiental da vida como um todo.
2 TRAÇOS DE DEGRADAÇÃO
A degradação da vida, segundo Mendonça (2004, p. 15), vem acompanhada da alteração do equilíbrio psíquico das pessoas, resultante de um modo de ser e pensar agressivo ao meio natural e aos seres humanos que tem de se tornar aptos aos ritmos e às atividades incompatíveis com a sua natureza biológica e psicológica.
De acordo com Capra (1996, p. 23-26) uma série de problemas globais entendidos de forma isolada estão danificando a biosfera e a vida em seu sentido mais amplo, de uma maneira alarmante, acarretando na extinção de espécies animais e vegetais em uma escala massiva, na violência étnica e na violência de um modo geral, derivadas de uma crise de percepção e de um modo de vida moderno, científico, industrial orientado para o crescimento e materialista, onde a visão de mundo é obsoleta e a percepção da realidade inadequada para lidar em um mundo globalizado. Tudo isso acompanhado ainda de um “correspondente aumento dos problemas de saúde dos indivíduos” (id, 1982, p. 22), podendo citar as doenças nutricionais e infecciosas no Terceiro Mundo e as doenças crônicas e degenerativas, chamadas de “doenças da civilização” nos países industrializados, dentre elas enfermidades cardíacas, o câncer e o derrame, além das de aspecto psicológico como a depressão grave, a esquizofrenia, dentre outros distúrbios de comportamento que brotam de uma “deterioração paralela de nosso meio social”.
Com isso inclui-se o aumento de crimes violentos, de acidentes, de suicídios, do alcoolismo, do consumo de drogas e de crianças com deficiência de aprendizagem. (ibid)
A dinâmica atrelada a todas estas patologias sociais é a mesma e vem sendo alimentada ao longo de toda a história junto às “ações humanas consideradas „necessárias‟ ao bem da humanidade” (FELIPE, 2008, p. 2), fazendo com que o homem de modo desenfreado e embasado em uma visão mecanicista e em uma ordem coisificada e fragmentada venha a ter domínio e controle sobre o mundo, principalmente sobre tudo o que considera inferior a ele.
Assim, justifica-se “o seqüestro dos africanos e sua venda como mercadoria para o serviço das lavouras dos brancos em toda a América, o uso e extermínio dos animais e a destruição dos ecossistemas naturais” (ibid)
“A visão mecanicista da razão cartesiana converteu-se no princípio constitutivo de uma teoria econômica que predominou sobre os paradigmas organicistas dos processos da vida” (LEFF, 2001, p. 15), gerando desta forma processos ininterruptos de degradação, principalmente pela falta de compreensão sistêmica que sustenta uma cultura ultrapassada, limitada e insatisfatória para enfrentar os principais problemas de nosso tempo.
Esse pensamento modelado, padronizado durante centenas de anos e a falta de uma compreensão sistêmica que ainda continua a exercer uma forte influência sobre a vida de maneira geral promove a tirania humana e impede o homem de se aceitar como parte da natureza, julgando-se como ser especial, o único com uma mente racional. Se assim somos, somos também capazes de deliberar sobre nossas escolhas. Então, por que “abdicar precisamente da responsabilidade de raciocinar e de assumir as conseqüências de nossas ações”? (FOX apud FELIPE, 2008, p. 4)
O ato de comer perde a aura de inocência no momento em que os humanos têm à sua disposição as mais diversificadas fontes naturais de nutrientes vegetais, mas insistem em encher seu prato de pedaços de carcaças que constituíram organismos de indivíduos animais que viveram uma experiência particular de vida. (FELIPE, 2008, p. 3)
De acordo com Darwin apud Shöpke (2004, p. 27), somos apenas parte da evolução natural do mundo, ou seja, basicamente não passamos de animais,
como tantos outros de nosso planeta, tendo todos os seres a mesma origem e sendo feitos da mesma substância.
A noção de homem superior e dominador da natureza foi apoiada e encorajada pela tradição judaico-cristã aderida à imagem de um deus masculino, personificação da razão suprema e fonte do poder último, que governa o mundo a partir do alto e lhe impõe sua lei divina que se reflete nas leis da natureza, investigadas pelos cientistas e vistas como originadas no espírito de Deus. (CAPRA, 1982, p 38)
Hoje se torna cada vez mais evidente a relação das atitudes antiecológicas com a excessiva ênfase dada ao método científico e ao pensamento racional, que dificulta a compreensão dos ecossistemas, já que este tipo de pensamento é linear, enquanto a consciência ecológica decorre de uma intuição de sistemas não lineares, manifestando-se com isso “uma flagrante disparidade entre o desenvolvimento do poder intelectual, o conhecimento científico e as qualificações tecnológicas, por um lado, e a sabedoria, a espiritualidade e a ética, por outro”. (ibd, p. 39)
3 ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO: HÁBITOS QUE INFLUENCIAM O MEIO AMBIENTE E O BEM ESTAR SOB OS ASPECTOS ÉTICO, PSICOLÓGICO, ESPIRITUAL, FILOSÓFICO, SOCIAL, ECONÔMICO E AMBIENTAL
O que ingerimos é inicialmente determinado pela cultura da qual fazemos parte sem ao menos ser questionado sobre o benefício ou malefício de tal escolha a tudo o que é diretamente afetado por ela (FELIPE, 2008, p. 2).
Hoje, a dieta humana passa a ser global não mais regional e os alimentos a “ser oferecidos a todos os olhos e estômagos, disseminando com isso as conseqüências da padronização que o processamento de alimentos sofre nesse terceiro milênio da civilização judaico-cristã” (ibid, p. 3) e propagando a necessidade do ato de alimentar-se deixar de ser considerado uma atividade natural, sem conexão ao caos instalado, para que seja analisado de forma complexa, uma vez que exerce uma forte pressão sobre os ecossistemas e sobre todas as formas de vida.
Considerando o mundo constituído não somente de matéria e força, mas essencialmente de vida e consciência, alimentando-se de animais e/ou de seus produtos derivados, o que implica em atos de crueldade, torturas e matanças, o homem contribui com sofrimentos sobre todos no planeta, fazendo refletir em toda parte novas formas de miséria e energias destruidoras. (BESANT; LEADBEATER, 1995, p. 81-87)
Essas energias são explicadas por uma corrente filosófica chamada Teosofia, que considera o homem como parte de um grande sistema de evolução e como um elo de uma grande cadeia, e que juntamente às leis ocultas da natureza parte do princípio que por meio de correntes magnéticas ocorrem vibrações como reflexos das ações e pensamentos dos seres do planeta que interpenetram o nosso mundo material e causam interferência sobre a mente humana. (ibid, p. 81-94 passim)
Com isso, Besant; Leadbeater (1995, p. 95-101) expõem sobre o profundo sentimento de depressão que invadem os arredores de um matadouro e sobre os horrores preliminares dos transportes, a privação de alimento, a sede, as longas experiências de horror como a permanência em currais restritivos, a separação das famílias, a administração de hormônios e outros medicamentos, e os maus tratos em geral que outros seres têm que sofrer para satisfazer o apetite humano. Um apetite que deveria ser saciado de acordo com as reais necessidades dietéticas, na busca de corpos e mentes mais puros e limpos, onde se incluem os elementos essenciais para reparar e construir o corpo, nutrindo as células e a vida em sua essência, todos encontrados em maior quantidade nos vegetais, como: proteínas, carboidratos, lipídios/gorduras, água, vitaminas e sais minerais. (ibid, p. 21)
A produção e consumo da carne geram custos econômicos, culturais, sociais, estéticos, ambientais, éticos, morais… E infelizmente, quase todos desconhecidos da maioria das pessoas. (SVB)
A imposição de um padrão alimentar que atende os interesses do agronegócio, dominante ao redor do planeta desde os anos 70 do séc. XX, faz expandir a indústria da carne e seus derivados às custas de “desmatamentos, da destruição da biodiversidade, da contaminação e desperdício d‟água, da poluição
do ar, do esgotamento dos solos, do desperdício de energia, do desemprego, revelando-se opção por um desenvolvimento insustentável” (DUARTE, 2008, p. 12), predatório e cruel, pois o comércio desses alimentos implica além da degradação ambiental, na matança e tortura dos animais, como alguns exemplos apresentados por FELIPE (2008, p. 5-10):
- Os pintinhos, nascidos junto à indústria de ovos, em menos de um dia após o seu nascimento são jogados sob uma esteira para que os machos sejam descartados em sacos plásticos que ao serem fechados morrem por sufocação ou mesmo atirados em uma máquina de triturar onde são triturados ainda vivos. Ao acabar o tormento dos pintinhos machos, inicia o das fêmeas, que são levadas até uma máquina para ser cortada uma parte de seus bicos (até um terço) e sendo após, cauterizado sem anestesia o que resta, estendendo-se assim o processo doloroso de 5 ou 6 semanas. Isso ocorre pelo fato de serem confinadas em um espaço muito pequeno junto a um grande número de galinhas, causando estress e fazendo com que passem a bicar tudo o que vêem pela frente. Aos 120 dias são confinadas definitivamente de onde sairão mortas por exaustão ou pelo abate. Felipe (2008, p. 6-8) cita ainda outras torturas, como o piso aramado das gaiolas que causam ferimentos em seus pés e outros problemas como prolapso no útero, que adquirem pelo esforço ininterrupto de expelirem ovos, morrendo de agonia sem nenhum tratamento veterinário. Já quando “gastas”, por terem seu valor comercial baixíssimo, as galinhas são muitas vezes enterradas ou trituradas vivas. Assim, “dor, sofrimento e morte compõem o cenário de cada ovo, apesar de sua aparência tão inocente e lisinha”;
- A vida dolorosa das vacas destinadas à indústria do leite dura muito mais tempo que as destinadas ao corte, ainda que ao final de suas vidas sejam também destinadas ao abate. Elas vivem grávidas 9 dos 12 meses do ano e seus bezerros são amamentados apenas por dois dias após o nascimento, sendo logo depois abatidos ou confinados em um caixote sem luz solar, sem espaço para que possam pular, mover-se ou prover-se, e sem alimentação nutritiva, pois o objetivo é que sua carne fique pálida e macia, para a produção de vitela, ao gosto dos comedores humanos. Cada vez que a vaca dá a luz passa por esse sofrimento de terem seus filhos levados embora.
De acordo com Singer ( 2002, p 129), as vacas mães continuam chamando pelos seus bezerros muitos dias depois de serem levados. Markus apud Felipe (2008, p. 9) diz que
o trauma causado por essas separações é uma razão pela qual algumas vacas acabam sendo mandadas para o matadouro mais cedo. Na maior parte dos casos, as vacas são levadas para o abate, ou porque ficaram doentes, ou porque a quantidade de leite caiu abaixo dos níveis tolerados pela margem de lucro dos produtores. Mas, em pelo menos 1% dos casos, as vacas são mortas por perderem sua doce disposição psicológica, por tornarem-se perigosas. Quando levadas para a ordenha mecânica, algumas dão coices nos trabalhadores que operam as máquinas de tirar leite.
Ainda segundo Singer (2002, p. 129) o efeito da morte de um animal sobre o seu companheiro acarreta mais sofrimentos, além da sensação de perda e tristeza por parte do sobrevivente.
Esses são apenas alguns exemplos dentre muitos outros de obtenção de benefícios e vantagens do ser humano às custas de dor, sofrimento e morte de outros animais.
Contudo restam as perguntas: Do que a raça humana está se alimentando? O que está alimentando? E do que está nutrindo-se? De terror, de horror, de ódio, de vingança, de tortura, de crueldade, de sofrimento? Está alimentando uma atmosfera destrutiva de valores, da ética, da espiritualidade. Pois, a constante matança e crueldade contra outras vidas, e especialmente contra os animais para alimentação humana invocam o espalhar contínuo dessas influências magnéticas e atua diretamente sobre as criaturas, sobre o seu bem estar, tendendo a torná-las mais grosseiras, violentas, a degradá-las e poluí-las ainda mais. Pois, “não é só o corpo que é poluído pela carne dos animais; são as forças mais sutis do homem que entram também na área desta corrupção”. (BESANT; LEADBEATER, 1995, p. 96)
Além da negação ao direito intrínseco à vida e do sofrimento causado, todo o processo que envolve esses alimentos promove uma série de custos conseqüentes da degradação ao meio onde habitam os seres.
De acordo com a SVB – Sociedade Vegetariana Brasileira, no Brasil, um quilo de carne bovina é em média responsável por:
10 mil metros quadrados de floresta desmatada; consumo de 15 mil litros de água doce limpa; emissão de dióxido de carbono diretamente na atmosfera; emissão de metano na atmosfera; despejo de boro, fósforo, mercúrio, bromo, chumbo, arsênico, cloro entre outros elementos tóxicos provenientes de fertilizantes e defensivos agrícolas, que se infiltram no solo e atingem os lençóis freáticos; descarte de efluentes como sangue, urina, gorduras, vísceras, fezes, ossos e outros, que acabam chegando aos rios e oceanos depois de contaminarem solo e aqüíferos subterrâneos; consumo de energia elétrica; consumo de combustíveis fósseis; despejo no meio ambiente de antibióticos, hormônios, analgésicos, bactericidas, inseticidas, fungicidas, vacinas e outros fármacos, via urina, fezes, sangue e vísceras, que inevitavelmente
atingem os lençóis freáticos ; liberação de óxido nitroso, cerca de 300 vezes mais prejudicial para a atmosfera do que o CO2; pesados encargos para os cofres públicos com tratamentos de saúde decorrentes da contaminação gerada pela pecuária; gastos do poder público com infra-estrutura e saneamento necessário para equilibrar os danos causados pela pecuária; custo dos incentivos fiscais e subsídios concedidos pelos governos estaduais e federal para a atividade pecuária.
Assim, a criação de animais para consumo se beneficia da ignorância do público sem a revelação de informações sobre os meios e as conseqüências desse tipo de produção para a sua vida e a de todo o planeta.
4 EDUCAÇÃO AMBIENTAL: NOVOS CONCEITOS E SENTIDOS
Nossas visões ou conceitos organizam o mundo e sustentam a nossa cultura, caracterizando uma civilização insustentável de acordo com os atuais sistemas de valores. (GRÜN, 2009, p. 22)
Daí a importância da educação ambiental, para uma “discussão, tematização e reapropriação de certos valores; valores estes que muitas vezes não estão no nível mais imediato da consciência, mas se encontram reprimidos e recalcados através de um longo processo histórico, pela tradição dominante do racionalismo cartesiano”. (ibid)
De acordo com o art. 10º e seu §1º da Lei 9.795 de 27 de abril de 1999, que “dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências”, “a educação ambiental será desenvolvida como uma prática educativa integrada, contínua e permanente em todos os níveis
e modalidades do ensino formal” e “não deve ser implantada como disciplina específica no currículo de ensino”.
Com isso ela surge para integrar, dentro da escola, a natureza complexa da vida, totalmente desintegrada pelas disciplinas, auxiliar no desenvolvimento da aptidão natural do espírito humano para situar todas as informações em um contexto e “ensinar os métodos que permitam estabelecer as relações mútuas e as influências recíprocas entre as partes e o todo em um mundo complexo”. (MORIN, 2004, p 15-16) E ainda mostrar e fazer compreender que o destino da espécie humana depende de todos os seus destinos entrelaçados e inseparáveis como o social, histórico, espiritual, psicológico, cultural etc.
Para tanto, é necessário uma abertura no currículo escolar suficiente para a discussão e contemplação de novas práticas educativas, entendidas como totalizadoras e interdisciplinares, exigidas pelas questões contemporâneas para a possibilidade de se construir novos territórios do pensamento e da ação crítica e assim produzir efeitos a partir de uma mudança cultural.
A inserção da interdisciplinaridade jamais será uma tarefa fácil, cômoda e estável, pois, “as armadilhas de uma cientificidade normativa e tecnicista seguem influenciando a esfera educativa”. Mas, “assumir uma postura interdisciplinar como abertura a novos saberes é situar-se intencionalmente na contracorrente da razão objetificadora e das instituições” para despertar a enorme expectativa renovadora do sistema de ensino, da organização e conteúdos escolares rumo a novos sentidos e a novos modos de compreender, aprender e ensinar, enfrentando o desafio de encontrar os caminhos possíveis para integrar a felicidade humana ao respeito às mais diferentes formas de vida. (CARVALHO, 2008, p. 124-125)
4.1 NUTRINDO-SE DE PAZ COM A EDUCAÇÃO ESCOLAR
A implementação da alimentação vegetariana na escola requer um trabalho interdisciplinar e contextualizado, em auxílio à promoção da compreensão dos processos de manutenção da vida com cooperação, parceria e participação em rede. Assim, será também melhor compreendida a estrutura de rede dos sistemas
e desenvolvido em seu potencial o respeito e o aperfeiçoamento aos princípios da ecologia e da vida. Valores estes reconhecidos como ferramentas para um processo de cura a caminho de um mundo de paz.
A compreensão favorece um ambiente respeitoso destituído de atitudes debilitantes e de estreiteza mental (Organização Brahma Kumaris, 2005, p. 34) e na prática “transcende a mera observação da essência do mundo e dos fenômenos universais”, para a partir da dualidade eu-mundo alcançar a compreensão que funde “o investigador numa unidade vivencial harmônica com os processos que ele estuda”. (MIZOGUCHI, 2006, p. 66)
Nesse processo, de acordo com Steiner apud Mizoguchi (2006, p 66), embasado na antroposofia, o homem reconhece que contém em si os reinos da natureza: o reino mineral, presente nos ossos e em toda estrutura física; o reino vegetal presente nos processos vitais, nos líquidos humorais e sangue, similar às seivas das plantas; e o reino animal, presente nos seus instintos e sensações. Mas, de acordo com o autor, o que se amplia no homem é a faculdade espiritual, de autoconsciência, ligada aos ideais e à compreensão do sentido ético das escolhas.
Steiner desenvolve a antroposofia, definindo-a como um caminho de conhecimento capaz de dar respostas rigorosas e comprováveis a todos os campos relacionados ao homem e seu mundo. A antroposofia entende o ser humano como um microcosmo no qual vibram e pulsam os processos do universo. (ibid, p 68)
Com isso, a vida é reflexo da vibração interna de cada um e uma nutrição consciente na escola pode formar agentes transformadores da realidade dos bairros, das cidades, do país, do mundo.
Assim, a revolução pedagógica deve dar-se de maneira que faça restabelecer a ligação do jovem com o lugar onde vive num processo de engajamento com os sistemas vivos e com a vida de todos que dependem desses sistemas. (CAPRA, 2006, p. 179)
A alimentação vegetariana deve fazer parte do currículo escolar e vir acompanhada dessa revolução estabelecendo ligações entre uma alimentação melhor, o valor intrínseco da vida, redução do volume do lixo, do desperdício, a
reciclagem etc, por meio de atividades e projetos capazes de desenvolver vínculos emocionais e estéticos com o mundo natural.
Fox apud Felipe (2008, p. 11) lista argumentos que sustentam o vegetarianismo, que vão desde a própria saúde até o aperfeiçoamento espiritual:
Saúde; Sofrimento e morte dos animais; Preocupação moral imparcial e desinteressada; Preocupação ambiental; Manipulação da natureza; Fome mundial e injustiça social; Formas interconectadas de opressão; Compaixão e similitude entre espécies; Ahimsa ou não-violência universal; Argumentos espirituais.
Capra (2006) cita algumas atividades vivenciadas por crianças e adolescentes ligadas de alguma forma ao Centro de Eco-Alfabetização de Berkley, na Califórnia, como: a observação da vida em parque infantil; a combinação de ciências e artes em meio à natureza, que auxilia “no reconhecimento de padrões, na solução de problemas, na experimentação e no modo de pensar por analogia; a aprendizagem na cozinha sobre a magia da hospitalidade, da generosidade, os valores que transformam a vida e o mundo a nosso redor, pois, se pararmos para pensar em nossa alimentação perceberemos que a comida pode nos ensinar sobre as coisas que realmente importam; a aprendizagem na própria área da escola e no seu entrono, como por exemplo na bacia hidrográfica; e aprendizagem na horta, repensando a alimentação e melhor conhecendo os ciclos vitais. Na horta aprende-se que o solo fértil é vivo e que as bactérias que existem a cada centímetro são essenciais para a vida na terra, precisando ser preservada a integridade dos grandes ciclos ecológicos nas práticas de jardinagem e agricultura.
Esse princípio, baseado num profundo respeito pela vida, faz parte de muitos métodos tradicionais de cultivo da terra e está sendo hoje resgatado num movimento mundial da agricultura orgânica. (ibid, p. 15)
Outros autores como Dias (2006), também trazem em suas obras, práticas inovadoras de educação ambiental sobre temas atuais, contextualizados, onde permeiam a sustentabilidade e a ética e que são capazes de ampliar a percepção, promover o senso crítico e autocrítico, para o resgate de valores, resolução de
problemas de insustentabilidade e produção de mudanças sobre os hábitos de vida.
O essencial, junto a essas atividades, é religar os educandos aos fundamentos básicos de seus hábitos, neste caso, especificamente, referentes à sua alimentação, para conscientes do que estão promovendo moldarem as suas práticas na busca de uma cultura de paz, pois, de acordo com Abelman apud Capra (2006, p. 186), “criar filhos íntegros é cultivar alimentos saudáveis”.
5 CONCLUSÃO
Nossa alimentação reflete diretamente sobre o bem estar do planeta como um todo. Portanto, satisfazer as próprias necessidades e buscar o prazer às custas do sacrifício de outras vidas demonstra a falta de compreensão sobre a complexidade da vida, a falta de valores, de ética e de outros aspectos essenciais para uma cultura de paz, tornando-se assim urgente a apresentação de novas práticas pedagógicas a caminho da inversão desse quadro por meio da aquisição de novos saberes, novos sentidos, novos valores, nova cultura.
Pois, a banalização da vida de outros seres, acarreta na banalização da vida humana, tornando admissível que a própria vida venha a ser banalizada por outros que da mesma maneira desdenham o valor que o fato de estar vivo possa ter para nós.
REFERÊNCIAS
BESANT, Annie; LEADBEATER, C. W. Vegetarianismo e Ocultismo. 2. ed. Brasília: Ed. Teosófica, 1995. 113p.
BRASIL. Lei 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Presidência da República: Casa Civil, Subchefia de Assuntos Jurídicos, Brasília, 27 ab. 1999. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9795.htm>. Acesso em: 02 mai. 2008.
CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1996. 256p.
_____. O Ponto de Mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. São Paulo: Cultrix , 1982. 447p.
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Um comentário:

  1. Decidi postar eu mesma este comentário.
    A insustentabilidade da produção de CRIATURAS para a alimentação é cada vez mais evidente, mesmo que a sociedade nem se dê conta disto, ainda.
    Como planejo merendas de escolas em um lugar onde o custo de vida é altíssimo, apesar de ainda ter traços de vida agrícola porém depender de supermercados que buscam TUDO fora em grandes centros, fica + evidente que baratear e dar qualidade à alimentação escolar é através dos alimentos VEGETAIS...enfim...a VISÃO chegará em algum momento....por isso planto diariamente essa compreensão. Algumas vezes consigo plantar mesmo...já que as escolas tem hortinhas e as hortas sempre são vegetarianas....assim caminhamos como humanidade....ahô

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