Não é mistério que a pergunta que nós veganos mais escutamos dos onívoros é : “Mas você come o que?” Porém alguém sabe o que os veganos mais escutam dos vegetarianos? “Eu não conseguiria nunca viver sem queijo”. Essa frase também entra no top 5 das frases que mais escutamos dos onívoros, logo depois de “A gente precisa de carne pra viver”, “Você vai ficar doente” e “Isso é coisa de malucos irresponsáveis e você deve ter o juízo frouxo” (ok, a última geralmente é dita com os olhos enquanto a pessoa te examina da cabeça aos pés, balançando a cabeça da esquerda pra direita e dando longos suspiros de exasperação).
Verdade seja dita: abandonar o danado do queijo é o maior desafio que uma pessoa enfrenta quando decide virar vegana. É o que faz os onívoros nos acharem loucos e o que impede alguns vegetarianos bem intencionados a dar o último passo na direção de uma alimentação totalmente vegetal. Eu sempre fui louca por queijo. Durante meus anos de universitária em Paris comi tanto queijo (a França é a terra do queijo, como resistir?) que mesmo tendo um regime vegetariano na maior parte do tempo, e pesando meros 42kg, meu colesterol acabou subindo vertiginosamente. É, companheiro/a, queijo é delicioso, absolutamente viciante mas também é a MAIOR fonte de gordura saturada das nossas dietas, junto com os outros laticínios.
Mas eu consegui me livrar desse karma e meu colesterol voltou ao nível normal. Se eu ainda sinto falta de queijo? Eu não vou mentir e dizer que nunca, nunca sinto vontade de comer queijo, mas a verdade vai surpreender aqueles que acham que não conseguem viver sem ele: assim como qualquer outro vício, quanto mais tempo se passa longe dele, menos se sente falta. Hoje tenho uma razão a mais pra me manter longe de laticínios. Só depois que parei de consumí-los descobri que sou intolerante à lactose. Isso não é surpresa, alguns médicos estimam que 2/3 da população mundial tem dificuldades pra digerir a lactose. Embora no meu caso essa intolerância seja leve, foi só eu ter me tornado vegana pra minha sinusite se evaporar, as amidalites/faringites que me visitavam pelo menos uma vez por mês sumirem e a acne que tinha me tirado o sossego nos últimos anos melhorar bastante (doenças no nariz/garganta/ouvidos e infecções da pele são alguns dos sintomas mais comuns da intolerância à lactose).
Por mais que eu acredite que uma vida sem queijo seja mais saudável (principalmente se você consume grandes quantidades, como eu fazia antigamente), sei, ô como sei!, que resistir ao danado é difícil. Então resolvi publicar aqui um dos meus segredos culinários: queijo de castanha fermentado. Comecei a fermentar “queijos” de castanha há pouco mais de um ano e hoje me pergunto como consegui viver tanto tempo sem eles. Sinto (muitíssimo) comunicar que o gosto NÃO é idêntico ao dos queijos fabricados com leite de mamíferos. Alguns acham bem parecido, outros nem tanto, outros de maneira alguma. Mas isso diminue o mérito da receita? Absolutamente não! O sabor é delicioso e satisfaz perfeitamente minha vontade de queijo. Embora ele pertença à uma categoria à parte, eu prefiro meu queijo de castanha a muitos queijos que comi na vida. E esse queijo vegetal vai agradar mesmo aqueles que nunca tiverem intenção nenhuma de abandonar seu queijo feito com leite de animais. Já servi esse queijo pra dezenas de onívoros/vegetarianos e todos aprovaram com entusiasmo.
Os veganos vão adorar ter um substituto vegetal pro (amado, idolatrado) queijo que eles deixaram pra trás. Os outros vão dizer que isso não é queijo nem aqui nem na China, mas vão comer tudinho e achar uma delícia. E no final todo mundo (incluindo a Mimosa e a sua saúde) vai sair ganhando.
Queijo de castanha fermentado
Um liquidificador (ou multiprocessador) potente e um pouco de paciência são essenciais pra essa receita dar certo, mas seus esforços serão recompensados. Esse queijo é bem cremoso e tem a consistência de “cream cheese”, embora o sabor seja bem mais encorpado. Gosto de usar uma mistura de castanha de caju e do Pará pro sabor ficar mais complexo, mas você pode usar somente castanha de caju se quiser. Nesse caso o resultado será um queijo mais suave. O missô é a chave dessa receita: é ele que vai trazer as bactérias bacanas responsáveis pela fermentação do queijo vegetal.
2x de castanha de caju (não-torradas e sem sal)
20 unidades de castanha do Pará
2cc de missô (qualquer tipo)
3cc de suco de limão
1cc (rasa) de levedo de cerveja
sal marinho a gosto
Deixe as castanhas de molho por no mínimo 6 horas. Escorra e reserve a água. No liquidificador, triture as castanhas com o missô. Acrescente colheradas de água, só o suficiente pra fazer as lâminas continuarem girando (cuidado pra não colocar água demais e transformar o creme em leite!). Você vai precisar desligar o liquidificador e mexer a pasta com uma espátula várias vezes durante o processo. Quando a mistura tiver se transformado em um creme espesso (sem pedacinhos de castanha) transfira tudo pra um recipiente de vidro, cubra com um pano limpo e deixe fermentar durante 24 horas. O queijo vai expandir ligeiramente, por isso é importante usar um recipiente que acomode a mistura com sobra (o ideal é que pelo menos 1/3 do recipiente fique vazio, deixando espaço pro queijo expandir durante a fermentação). Depois do periodo de fermentação, acrescente os outros ingredientes ao queijo e misture bem. Prove e corrija o sal. Junte um pouco mais de suco de limão se quiser um queijo mais ácido (eu uso 4cc de suco). Às vezes também junto uma pitada de pimenta do reino pra intensificar o sabor. Guarde bem tampado na geladeira. O queijo se conserva uma semana na geladeira. Rende um pouco mais de 2x.