Foto: Marcio de Almeida Bueno
A nutricionista Claudia Lulkin, adepta de um estilo de vida em harmonia com a natureza, realiza trabalho educativo de resgate da cultura da jardinagem voltada para a alimentação num assentamento urbano na cidade de São Leopoldo, Rio Grande do Sul – o chamado paisagismo ou jardinagem alimentar. Nesta entrevista, ela esclarece o que é e quais os valores difundidos por esta prática que, de acordo com ela, deveria ser adotada não só no campo, mas também nas cidades.
Mobilizadores COEP – O que é paisagismo alimentar? Em que princípios se baseia?
R.: Paisagismo alimentar é uma proposta de se plantar, num mesmo local, plantas destinadas ao embelezamento e outras que podem fornecer alimentos, como árvores frutíferas, plantas medicinais, como guaco, boldo, camomila, e flores comestíveis como capuchinha. Em todos os lugares, em cada cantinho, em cada pedacinho que parece abandonado podemos fazer um jardim aprazível, curador, colorido, organizador do olhar. O princípio básico é embelezar como função estética, anti-estresse e incentivar a paixão pela jardinagem.
Mobilizadores COEP – De que maneira o paisagismo alimentar pode contribuir para promover a segurança alimentar, principalmente, dos mais pobres, onde os recursos e também o acesso à informação para uma alimentação saudável são mais escassos?
R.: Promover a segurança alimentar é muita pretensão, mas, ao plantarmos frutas como mamão, limão, laranja, bergamota, maracujá, pitangas, goiabas, butiás e abacate; temperos, como salsinha, cebolinha, manjericão, manjerona; e ervas medicinais como capim cidró, camomila, macela, lavanda, podemos oferecer às comunidades princípios curativos, vitaminas e minerais, que além de tudo podem ser compartilhados e dar aroma e cores à paisagem. Mesmo a jardinagem na cidade utiliza plantas de forma bem repetitiva, ou seja, com pouca diversidade e, em geral, sem função alimentar.
Mobilizadores COEP – Qual a relação entre paisagismo alimentar e permacultura? Poderia explicar a diferença entre eles?
R.: A permacultura é a prática de uma cultura permanente que engloba planejar e manter sistemas de escala humana ambientalmente sustentáveis. Em permacultura também se faz paisagismo alimentar e muito mais. Esta cultura ocupa-se de guardar água para molhar as plantas, ensina a fazer telhados verdes que também podem ter plantas alimentícias, faz casas com recursos locais. O paisagismo alimentar está dentro da permacultura, está dentro das práticas de agrofloresta, está dentro do paisagismo, da arquitetura, da agricultura urbana.
Mobilizadores COEP – Podemos aplicar o paisagismo alimentar nos grandes centros urbanos? Como seria o plantio em apartamentos?
R.: Muitas pessoas plantam suas flores e temperos em sacadas de apartamentos, em parapeitos de janelas. Os centros urbanos têm muitas áreas com espaços que podem se tornar jardins comestíveis. A princípio qualquer lugar pode receber plantas para se tornar mais agradável.
Mobilizadores COEP – Que tipo de alimentos, flores e ervas medicinais podem ser cultivados? Quais os principais cuidados que devem ser adotados?
R.: Já citei vários, mas é importante se certificar com pessoas que entendam de plantas e estudar o que pode ser plantado, para não ter problemas futuros com fios de eletricidade ou com canos que estão sob calçadas, por exemplo, caso as espécies escolhidas cresçam muito ou tenham a raiz muito grande.
Mobilizadores COEP – De que maneira podemos melhorar a nossa interação com a natureza, através dos alimentos, dentro dos grandes centros urbanos?
R.: Cada vez mais parece que as pessoas estão se dando conta da necessidade dos elementos da natureza para sua sanidade: tomar sol, respirar ar puro, sentir a brisa e o vento, ouvir a chuva, ver um lago, ver o verde, sentir os aromas. Se plantarmos jardins que também sejam comestíveis, também sentiremos sabores. É uma alimentação não só para o corpo, mas para a mente, para os olhos, para os sentidos, para o equilíbrio psicológico.
Mobilizadores COEP – Você trabalha com um assentamento urbano em São Leopoldo (RS), onde desenvolve um trabalho educativo através da jardinagem alimentar. No que consiste o trabalho e há quanto tempo vem sendo realizado? Ele já trouxe resultados? Poderia citar exemplos práticos?
R.: O assentamento urbano Vida Nova, em São Leopoldo, abriga cerca de 133 famílias que moravam às margens do Arroio Kruse e foram reassentadas pelo Projeto PAC Arroio Kruse – projeto articulado junto ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), vinculado ao Governo Federal, sob a coordenação da Prefeitura. O projeto visa também à regularização fundiária e a recuperação ambiental de aproximadamente 1,5 quilômetros do arroio.
Estamos começando a disseminar a ideia da criação de uma nova paisagem, de embelezar e valorizar os espaços individuais e coletivos e acrescentar princípios alimentares – jardins com ervas, com flores coloridas e curativas, com trepadeiras como guaco e bertalha, e babosa para cicatrização, por exemplo. As famílias assentadas já vinham de uma prática similar. Agora, estamos estimulando a continuidade dessas práticas e a aproximação da vizinhança, com um troca-troca de mudas, receitas e xaropes.
Mobilizadores COEP – Como a comunidade do assentamento está reagindo a este tipo de trabalho educacional? Ela participa e se envolve? De que forma?
R.: As pessoas se envolvem pelo prazer de ver os resultados, mesmo que isso tenha um tempo para se estabelecer: o tempo do crescimento das plantas. É interessante, pois o tempo urbano é da correria e a jardinagem tem o tempo das estações, das lunações e temos que esperar para ver o que acontece com as plantas. É outra dimensão.
É um trabalho ainda recente, mas esperamos envolver a comunidade e disseminar estas ideias. O método – inspirado a partir de leituras e vivências dos mestres Paulo Freire, Bill Mollison, Lucia Legan, Ademar Brasileiro e Clara Brandão; das Ongs Ingá, Flor de Ouro, Oca Brasil e Ecocentro IPEC – é da descoberta dos recursos disponíveis a cada momento, provocando rápida transformação com assimilação da idéia e da prática.
Mobilizadores COEP – Como podemos utilizar os alimentos de forma a torná-los aliados para o desenvolvimento de uma vida mais saudável e mais produtiva?
R.: Os alimentos de origem vegetal: frutas, verduras, flores, temperos têm princípios funcionais, curativos. Têm cheiros, cores, sabores verdadeiros. Se conseguimos transformar o paladar que está ficando também alterado por uma alimentação altamente processada e artificializada, estaremos oferecendo ao corpo mais nutrientes.
As atividades de jardinagem e de paisagismo alimentar também fazem com que as pessoas voltem a utilizar melhor seu corpo, se alongando, se abaixando, tomando sol. Rompem a doença do sedentarismo com uma atividade extremamente prazerosa e revitalizante.
Mobilizadores COEP – O que é importante fazer para que as comunidades adotem alimentação mais variada e criativa, valorizando os alimentos típicos de sua região? Pode citar exemplos?
R.: É importante colocar a mão na terra e na massa, fazer refeições junto, demonstrar na prática as delícias que estão disponíveis ou que podem se tornar disponíveis. Por exemplo: numa comunidade, uma senhora tem no seu pátio tomate de árvore. Passamos a utilizar os tomates em comidas na cozinha comunitária e o grupo reaprendeu a utilizar essa planta.
Em outro momento, utilizamos mamões verdes para uma geléia com coco e ficou uma delícia. Colhemos butiás e fazemos suco. Batemos maracujás com cenoura para suco e fazemos maionese de abacate, colhemos os chuchus e fazemos saladas ou doce. Quando se tem a disponibilidade dos recursos, torna-se mais fácil criar com eles. Esse movimento tem o intuito de envolver mais pessoas para que se tenha esses recursos disponíveis e possamos estimular este tipo de alimentação. Algo do tipo que ‘essa moda pegue’, resgatando o gosto pelo prazer da jardinagem.
Eu me tornei uma apaixonada por isso através de amigos que têm a maestria da jardinagem, como Ademar Brasileiro – Mago Jardineiro de Curitiba, Marco Krug, artista, designer, paisagista, doRecife (PE), o pessoal do Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado (Ipec), em Pirenópolis (GO); os jardins da Humaniversity, na Holanda. Todos são movimentos de resgate da relação do homem com o meio ambiente ao seu redor.
Entrevista para o Grupo de Combate à Fome e Segurança Alimentar
Fonte:
www.mobilizadores.org.br