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#8 - Pequi
Caryocar brasiliense Cambess.
Outros nomes regionais e locais são piqui, piquiá-bravo, amêndoa-de-espinho, grão-de-cavalo, pequiá, pequiá-pedra, pequerim, suari e piquiá. Família Caryocaraceae
De
como, no prazo duma hora só, careci de ir me vendo escorando
rifle (...) trepado em jatobá e pequizeiro,
deitado no azul duma lage grande. João Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas. |
Pequizeiro em cerrado no Núcleo Rural Boa Esperança II, Distrito Federal, a espécie é protegida pela legislação. Fotografia de F. Tatagiba em 20/12/2006. |
O pequizeiro é uma árvore de múltiplos valores: ecológico, cultural, gastronômico, medicinal, econômico...
A. Tronco e ramos tortuosos do Pequizeiro; B. Casca com fissuras e cristas descontínuas no tronco do pequizeiro. |
Em
estudo bibliográfico das espécies de plantas medicinais
do Mato Grosso, verificou-se um predomínio na utilização
de espécies arbóreas (31%), seguidas de ervas (24%),
arbustos (17%), subarbustos (12%), trepadeiras (9%), palmeiras (2%),
epífitas (1,5%) e cactos (0,5%), para 3% das espécies
não foi informado o hábito. Este estudo identificou
dezenove artigos tratando do pequi como espécie medicinal.
Sua utilização medicinal se dá como afrodisíaco,
no tratamento de problemas respiratórios e suas folhas são
adstringentes, além de estimularem o funcionamento do fígado.
É utilizado para fins medicinais em toda sua área
ocorrência. Pequizeiro florido. Tatagiba, setembro de 2006, município de Nova Roma-GO, Vão do Rio Paranã. A. Frutos imaturos de pequi, coloração de vinho; B. Frutos de pequi de vez. Núcleo Rural Boa Esperança II, Distrito Federal. |
Utilização
medicinal do Pequi.
|
A
utilização terapêutica do pequi não está
restrita à medicina popular. Nas últimas décadas,
tem sido observado um aumento acentuado de infecções fúngicas,
as quais contribuem para uma elevada taxa de mortalidade em pacientes
imunocomprometidos. A criptococose causada por Cryptococcus neoformans
é considerada micose oportunista, freqüentemente diagnosticada
produzindo lesões principalmente no sistema nervoso central em
pacientes com AIDS. Em trabalho publicado na Revista da Sociedade Brasileira
de Medicina Tropical, foi descrita a atividade antifúngica das
folhas (extrato bruto etanólico, fração acetato
de etila e cera epicuticular), dos dois principais componentes presentes
no óleo essencial das sementes, além dos óleos
fixos da amêndoa e da semente de pequi sobre isolados de C.
neoformans var. neoformans e de C. neoformans var
gattii. Foi verificado neste trabalho que a parte mais ativa contra
os fungos é a cera epicuticular da folha, coletada no período
da seca, inibindo o crescimento de 91,3% dos isolados de fungos.
Na
mitologia xamãnica dos Wauja, povo que habita o Alto Xingu, Barcelos
Neto relata que o Jacaré e o Beija-flor são “donos”
(wekeho) do pequi, o primeiro em função dessa fruta ter
se originado de seus testículos e o segundo por ter uma predileção
pela fruta e, em função disso, tersido um dos primeiros
Animais a cultivá-la. Wekeho é a dimensão
espiritual relacionada aos seres corpóreos, o “dono”
concede (material ou espiritualmente) ao mesmo tempo em que protege
os recursos.
Estudo
realizado com o povo Teréna, do Mato Grosso do Sul, revelou que
67,2% coletam frutos silvestres. Dentre os frutos coletados foram identificados
a bocaiúva (Acrocomia aculeata), araticum (Annona
dioica), jatobá-do-cerrado (Hymenaea stigonocarpa),
jenipapo (Genipa americana), coroa (Mouriri elliptica),
buriti (Mauritia flexuosa), pequi (Caryocar brasiliense),
jurubeba (Solanum paniculatum) ingá (Inga uruguensis),
guariroba/gueroba (Syagrus oleracea), araçá (Psidium
guineense), urucum (Bixa orellana) e caraguatá
(Bromelia balansae). A captura de animais e coleta de frutos
silvestres é feita com dificuldades devido à limitação
da área na reserva.
O pequi integra a base cultural do centroeste brasileiro, sendo um elemento essencial na culinária regional do Cerrado. “Arroz com Pequi” é o prato típico do Goiás, onde o fruto também é tradicionalmente preparado em gordas e saborosas galinhadas. O emprego do pequi na dieta da população cerratense já tem mérito terapêutico, uma vez que é excelente na prevenção e combate à hipovitaminose A. Além do pequi, tucumã (Astrocaryum aculeatum), a macaúba (Acrocomia aculeata), a pupunha (Bactris gasipaes), o dendê (Elaeis guineensis) e, especialmente o buriti (Mauritia flexuosa) são ainda outras importantes fontes regionais de carotenóides no Brasil."O Garanço se regalava com os pequís, relando devegar nos dentes aquela polpa amarela enjoada. Aceitei não, daquilo não provo: por demais distraído que sou, sempre receei dar nos espinhos, craváveis em língua"
João Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas pg. 184.
Percevejo (Hemíptera), em estágio imaturo de desenvolvimento, parasitando o pequizeiro, enquanto mantêm relação de mutualismo com a formiga (Himenóptera), que se alimenta do líquido adocicado produzido pelo seu “gadinho”. Alimentada pelo percevejo, a formiga o protege de eventuais agressores, ambos se beneficiam. Fotografia: F. Tatagiba, Núcleo Rural Boa Esperança II, Distrito Federal, 20/12/2006. |
No município de Japonvar, região norte de Minas Gerais, foram observadas quase 50 espécies de insetos herbívoros de vida livre associadas ao pequizeiro. São dezenas de espécies de insetos que têm nos ramos, folhas e seiva do pequizeiro essencial fonte de nutrientes.
Após publicação da Portaria Federal 54, em março de 1987, do antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), hoje Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), é proibido o corte e comercialização de madeira do pequizeiro em todo o território nacional. A espécie possui madeira de excelente qualidade, estando entre as menos susceptíveis ao ataque por cupins de madeira seca, tais como o Cryptotermis brevi. O cupim de madeira seca é considerado como o mais importante do ponto de vista econômico no Brasil.
Um decreto de junho de 1993, entre outras medidas, torna imunes ao corte no Distrito Federal, além do pequi, o buriti (Mauritia flexuosa), copaíba (Copaifera langsdorffii), cagaita (Eugenia uniflora), sucupira-branca (Pterodon pubescens), todos os ipês (Tabebuia spp.), entre outras espécies do Cerrado, consideradas Patrimônio Ecológico.
No ano de 2001, em concurso realizado pelo Instituto Estadual de Florestas-MG, o pequizeiro foi eleito “Árvore Símbolo do Estado de Minas Gerais”. Há dezessete anos é realizada em Montes Claros, no norte do estado, a Festa Nacional do Pequi, ocasião em que moradores da região festejam o Cerrado, sob o signo desta importante espécie.
O Cerrado é povoado por espécies como pequi, ipês, aroeira, gravatás e orquídeas diversas, todas valiosas economicamente, fornecedoras de uma vasta gama de produtos vegetais madeireiros e não madeireiros. Entretanto, o bioma carece de uma política ampla, que integre as diversas iniciativas produtivas e conservacionistas, com vistas a reverter o grave processo de devastação pelo qual vem sofrendo. O modelo de ocupação e “desenvolvimento” empregado para a região (semelhante a outros biomas adjascentes), de maneira geral, está dizimando um manancial de recursos energéticos, medicinais, madeireiros, ornamentais, alimentares e culturais. Governantes da região, especialmente prefeitos, têm papel chave nas mãos, com a possibilidade de implementar políticas públicas conciliando utilização produtiva de espécies vegetais nativas do Cerrado com conservação e desenvolvimento humano, em nível local. Tal como a utilização de pequi, mangaba, buriti, baru, jatobá, araticum entre outras, na merenda escolar ou em dietas hospitalares, aliado à uma política adequada de desenvolvimento rural. A sociedade também pode contribuir, optando por consumir produtos do Cerrado e utilizando espécies nativas em seus jardins.
Estamos bem distantes do ideal, mas já temos opções de produtos do Cerrado: a Embrapa Cerrado, assim como diversos pequenos viveiros de mudas comercializam espécies nativas; A Rede de Sementes do Cerrado, articula iniciativas para o manejo de sementes no bioma; O catálogo do Programa de Pequenos Projetos Ecossociais (PPP-ECOS), apresenta uma variedade de produtos baseados em espécies nativas e elaborados por produtores do Cerrado de maneira sustentável. Vale à pena conferir os produtos deste catálogo, bem como outros que podemos encontrar nos mercados e na internet*.
É preciso que a sociedade brasileira opte por comer o Cerrado, no bom sentido, é claro! Ou como diria João Fernandes**, parafraseando Manoel Bandeira em uma de suas belas camisetas: Pequi or not Pequi? Eis a questão.
*Para obter contatos e endereços de produtores e comerciantes que trabalham com pequi e outras espécies do Cerrado, veja a lista organizada pela EMBRAPA-CPAC, no endereço (acessando “Produtos”): http://cmbbc.cpac.embrapa.br
** João Fernandes é proprietário do Santuário Raizama, na Chapada dos Veadeiros-GO, produz camisetas com fotografias de espécies da flora e outras temáticas do Cerrado, como rios, cachoeiras, serras e povos.
Referências e sugestões bibliográficas sobre o Pequi.
Acesse os trabalhos de seu interesse, clicando no endereço eletrônico.
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Fernando Tatagiba, Msc. - tatagiba@biologo.com.br
Biólogo/botânico.
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